quarta-feira, 29 de julho de 2015

Museus: emoção e aprendizagem

Idéias do educador Paulo Freire adaptadas aos museus podem tornar mais prazeroso o ensino de História
Denise C. Stuart[1]

Museus – e nessa dominação podemos incluir centros culturais, centros de ciência, jardins zoológicos etc. – são instituições caracterizadas como espaços de educação não-formal. Isto quer dizer que nesses ambientes, diferentemente do que acontece dentro das salas de aula, os visitantes não têm a “obrigação” de aprender algo. Seus conhecimentos não são postos à prova, e eles estão livres para fazer escolhas de acordo com suas preferências. O tipo de educação que se associa aos museus é mais participativa e descentralizada e, em certa medida, selecionada espontaneamente pelo próprio aprendiz, levado pelo interesse e pela motivação pessoal.
Ao contrário do que acontece na escola, onde a formação se dá pela frequência diária às aulas, uma visita ao museu pode ter tempos diferenciados e acontecer paulatinamente ao longo da vida, em diferentes ocasiões, independentemente de idade e grau de conhecimento. Além disso, a experiência dos visitantes será sempre distinta de outras: cada um vai observar, compreender e absorver o que está exposto ou escrito de maneira diferente. O aprendizado no museu tem, enfim, um caráter único, sempre condicionado à experiência individual do visitante e das circunstâncias em que ocorreu a visita, na medida em que as percepções variam segundo o contexto da visitação.
Após transformações significativas verificadas ao longo do tempo, o século XXI acena com dois grandes desafios para os futuros diretores de museus: potencializar o papel educativo dessas instituições no desenvolvimento da sociedade e enfatizar seu valor social num mundo cada vez mais globalizado e desigual. Alguns passos já vêm sendo dados nessa direção. Um deles é a adaptação das idéias de um educador ilustre, Paulo Freire – inspirada no seu conceito de “palavra geradora” –, para o ensino de História a partir dos objetos.
Estudos recentes defendem a noção de que o aprendizado é “um processo de mudança conceitual”, em vez de “absorção de um conhecimento transmitido”. Assim sendo, a instituição-museu é o espaço ideal para o desenvolvimento desses processos. Os museus, sejam eles de artes, ciências, tecnologia ou antropologia, são por excelência locais de observação, interação e reflexão. Diversas histórias estão ali prontas para serem narradas: histórias de outras épocas evocando povos e civilizações antigas, com suas maneiras de viver e pensar; e do mundo contemporâneo do qual fazemos parte, com suas novas descobertas, formas de expressão artística, cultural etc. São espaços simbólicos, muitas vezes mágicos e surpreendentes, capazes de oferecer uma experiência ao mesmo tempo educativa e divertida.
O reconhecimento da importância dos museus para a educação não é tão novo assim. No século XVIII, filósofos e homens de letras, movidos pelo espírito enciclopedista, conclamavam a necessidade de se colocar as coleções museológicas “a serviço da educação do povo”, como suporte e objeto de estudo e difusão dos ideais iluministas. Só pelo conhecimento, diziam eles, a humanidade poderia libertar o pensamento, expulsando dele os dogmas de fé e as superstições.
Os museus seriam um dos instrumentos para a consecução desse projeto. O Estado deveria ser, na visão dos enciclopedistas, o “tutor” de todo o patrimônio relacionado à “história nacional” e à “instrução”. No século XIX, os museus iriam ter participação ativa no movimento educacional: passariam a ser reconhecidos como “agentes” do aprendizado, juntamente com as universidades e sociedades acadêmicas.
A educação era vista então como um signo da modernidade; daí a valorização de certos grupos sociais, como os dos cientistas e artistas. Contudo, apesar da proposta de os museus servirem ao “povo”, apenas alguns estratos seletos iriam usufruir das instituições museológicas no período. De fato, até a primeira década do século XX, os museus de arte, por exemplo, não se empenhariam na democratização das exposições que promoviam. Como observou Maria Esther Valente, “o acesso do grande público só ocorria aos domingos e, por vezes, num dia na semana (...). Na realidade, a função social da instituição foi a de integrar a burguesia que aspirava alcançar a aristocracia”.
Ao longo do século XX ocorrem mudanças significativas no conceito e nos objetivos dos museus, dando origem a novas formas de comunicação entre eles e a sociedade. Tradicionalmente voltados para as coleções, passaram a dialogar com um público mais amplo e diversificado, ao mesmo tempo em que buscaram estabelecer uma relação mais estreita com as comunidades locais. Vale ressaltar que, a partir da década de 1960, a concepção educativa das exposições em museus, principalmente os de ciência, foi muito influenciada pelas teorias educacionais em vigor; em especial pelas teorias construtivistas, que enfatizam o papel ativo do indivíduo na construção de seu próprio aprendizado, visto como um processo dinâmico que requer uma interação constante entre ele e o ambiente.                       As idéias do educador Jean Piaget (1896-1980) sobre desenvolvimento cognitivo, de Howard Gardner  sobre múltiplas inteligências, e de Paulo Freire (1921-1997) sobre a importância do diálogo no processo educativo influenciaram, e continuam influenciando, as abordagens educativas em museus. O pensamento de Freire – autor de Pedagogia do oprimido e muitos outros livros – é especialmente importante para nós, brasileiros, devido à ênfase no papel da educação para a cidadania. As correntes mais recentes da Museologia enfatizam justamente a importância social do museu como instrumento para a inclusão social e cultural, capaz de formar indivíduos criativos que possam – ao ampliar sua visão de mundo pelo contato com os recursos que a instituição oferece – exercer sua consciência crítica em relação a si mesmos e à sociedade em que se inserem.
Alguns valores essenciais que dizem respeito aos museus estão na base do ensinamento freiriano. A idéia de “museu-fórum”, local aberto, livre de discriminações, atento às necessidades do seu público usuário, está em consonância com o pensamento do educador sobre a importância do diálogo e do respeito no processo educativo. Estes preceitos pretendem transformar educadores e educandos, garantindo-lhes o direito à autonomia pessoal na construção de uma sociedade democrática, que a todos respeita e dignifica. Entre os princípios básicos apregoados por Freire estão a ética, o respeito pelos saberes do educando e o reconhecimento de sua identidade cultural, a rejeição a toda e qualquer forma de discriminação, a reflexão crítica da prática pedagógica, o saber dialogar e escutar; o ser curioso e alegre no ato de educar.
Freire se reporta constantemente à importância da cultura como invenção do homem, à autonomia de poder escrever sua própria história. Pelo dom de conhecer, o ser humano constrói sentidos, significações e símbolos. O modo como o indivíduo capta e interpreta a realidade vai determinar sua relação com o mundo na sua pluralidade de significados. É na cultura que o sujeito vai encontrar os primeiros elementos para a consolidação de discernimentos e, neste sentido, os museus podem exercer um papel importante ao oferecer aos seus visitantes/usuários a possibilidade de construir novos entendimentos sobre a sua própria cultura e também sobre a de outros povos.
Um dos exemplos atuais da aplicação das idéias de Freire aos museus, no caso aos museus de história, é a metodologia do “objeto gerador” – transfiguração do conceito de “palavra geradora” de que falava o educador –, definida e levada à prática pelo historiador Francisco Régis Lopes Ramos, diretor do Museu do Ceará.           O trabalho com o “objeto gerador” envolve exercícios que enfocam a experiência cotidiana do visitante do museu, na perspectiva de uma “pedagogia da provocação”: a partir do vivenciado, gera-se um “debate de situações-problemas”. Ramos relata que, quando há comparações entre objetos do passado e do presente, a noção de historicidade – qualidade ou condição do que é histórico – começa a ser trabalhada de modo mais direto.
O desafio dessa metodologia de aprendizagem no museu é conseguir usar a sensibilidade e a provocação como matérias-primas para novas percepções. Para tanto, as exposições devem ser capazes de estimular o interesse e a curiosidade do visitante por meio da emoção. Na metodologia da “palavra geradora”, Freire parte de uma situação familiar relacionada à realidade do educando para o entendimento do mundo. Na abordagem do “objeto gerador” – utilizado para o ensino de História –, também é necessário iniciar o contato e o diálogo pela experiência pessoal do visitante, por meio de objetos do seu uso cotidiano, para então discutir objetos de outras culturas e épocas.                                                                                                           Para problematizar uma questão no contexto do museu, é fundamental que a exposição – e também os profissionais encarregados da mediação, como guias e professores, entre outros – seja capaz de relacionar os temas e objetos nela contidos a situações, experiências e objetos familiares aos visitantes.                     Aprender em museus deve ser uma experiência espontânea e, portanto, prazerosa. Visitar instituições museológicas é um hábito a ser cultivado, se possível desde cedo, pois estes locais estimulam a curiosidade e o desejo de conhecimento. Não existe uma maneira preconcebida de se visitar um museu: cada pessoa deve usar a criatividade e criar sua própria relação com estes espaços plenos de História e histórias. Ao ampliarmos nossa visão de mundo, aprendemos a apreciar e respeitar outros povos e culturas.




[1] DENISE C. STUDART é coordenadora do núcleo de estudos de público e avaliação do Museu da Vida, da Fundação Oswaldo Cruz (RJ).

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Dica de leitura - A Caminho da Luz - Chico Xavier

Livro Gratuito 

A Caminho da Luz - Chico Xavier


A Caminho da Luz é um livro espíritapsicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier, com autoria atribuída ao espírito Emmanuel.
A obra foi publicada em 1939 pela Federação Espírita Brasileira (ISBN 8573285559)O livro aborda a história da civilização, destacando fatos que transformaram o planeta, a partir da ótica da espiritualidade como frisa o autor na sua introdução. Dentre os temas abordados estão a origem da Terra, a vinda do Cristo, as Cruzadas, a Revolução Francesa, dentre outros.

Segue abaixo o link do livro gratuito - "A Caminho da Luz".

Você pode fazer download clicando aqui, ou acessando diretamente o endereço abaixo em seu navegador:


Você pode fazer o download e ler no seu computador, no celular, ou em qualquer outro leitor!



quarta-feira, 22 de julho de 2015

Um breve passeio pela História da Educação

EDUCAÇÃO

A educação está em, todos os lugares e no ensino de todos os saberes. Assim não existe modelo de educação, a escola não é o único lugar onde ela ocorre e nem muito menos o professor é seu único agente. Existem inúmeras educações e cada uma atende a sociedade em que ocorre, pois é a forma de reprodução dos saberes que compõe uma cultura, portanto, a educação de uma sociedade tem identidade própria. 
O ponto fraco da educação está nos seus agentes, pois, com consciência ou não, reproduzem ideologias que atendem a grupos isolados da sociedade. Aí vê-se que a educação reflete a sociedade em que ocorre, em sociedades tribais ela é comunitária e igualitária, já em nossa sociedade capitalista: específica, isolada e desigual. 
Na Grécia Antiga a educação, denominada de Paidéia, se iniciou como comunitária, mas com o desenvolvimento da sociedade se tornou específica, onde havia uma educação para nobres, outra para plebeus e nenhuma para os escravos, surge à figura do pedagogo, um escravo domestico que além de conduzir as crianças nobres à escola também era responsável pela sua educação. Em todas as educações gregas o indivíduo era educado para a sociedade como um todo. 
Em Roma a educação surgiu como na Grécia, comunitária, mas se desenvolveu de forma diferente, onde a formação do patriarca agricultor sobressaia sobre o cidadão. Mais tarde surge a escola primária, como a escola de primeiras letras gregas, também surge à escola gramáticos, e muito mais tarde a Lector. Havia em Roma a educação que formavam os trabalhadores na oficina de trabalho, e o cidadão era educado para também empregar seu saber na sociedade. 
A escola surge com o desenvolvimento do cristianismo na Antiga Europa para uma educação que salvaria almas, e isso perdurou até o final do século XIX quando Émile Durkheim começou a ligar educação e sociedade, a educação vira fato social, pois para ele há um consenso harmônico que mantêm o ambiente social. 
Mas pergunta-se saber este consenso, pois na verdade a educação não aplica sua idéia, a prática é bem diferente, há uma elite capitalista que controla a educação, entretanto, ela ocorre fora das paredes da escola, na comunidade, assim a dominação capitalista encontra resistência política. 
A única forma de reinventar a educação, como dizia Paulo Freire, é traze-la ao cotidiano do aluno, fazendo com que a vivencia e as experiências do indivíduo façam parte efetiva da escola, e a educação será livre e comunitária. 

Um breve passeio pela História da Educação

            Para começar a nossa conversa, não há nada melhor do que mergulhar no mar da história. Vamos voltar ao passado e, pela precisão, ao antigo Egito. Como toda sociedade que produz riquezas a partir da exploração da maioria dos seus habitantes, percebemos logo que o saber não é democratizado e que cada setor só tem acesso a um determinado tipo de educação.
            Em grandes linhas, podemos dizer que no antigo Egito existem quatro grupos de pessoas que recebem um ensino diferenciado: o faraó e os senhores da corte, os escribas e todos aqueles que se dedicam às funções administrativas, os artesãos e, por último, os escravos. Cerca de 2.600 anos antes de Cristo, os filhos do faraó, seus futuros conselheiros e os nobres do Egito são educados para dominar a arte da palavra. Ao falar da instrução a eles destinada Ptahotep escreve:
“Se a sua boca procede com palavras indignas, tu deves domá-lo em sua boca, inteiramente... A palavra é mais difícil do que qualquer trabalho, e seu conhecedor é aquele que sabe usá-la a propósito. São artistas aqueles que falam no conselho... Reparem todos que são eles que aplacam a multidão e que sem eles não se consegue nenhuma riqueza”. (Citado in: MANACORDA, 1996: 14)
            Em português claro, para comandar e pôr ordem na sociedade é imprescindível dominar a arte da palavra. Não é pra menos. É indispensável saber falar em público tanto para intervir nos conselhos restritos do poder, como para passar uma lábia na multidão, acalmar seus ânimos, justificar a repressão dos descontentes e reafirmar os valores dominantes como os únicos capazes de organizar a sociedade.
            Mas a sociedade muda e força o ensino destinado aos faraós a adaptar-se às mudanças. Lá pelo ano 2.000 antes de Cristo os nobres do Egito conquistam a possibilidade de governar suas regiões num regime de maior autonomia em relação ao poder do faraó. O país é dividido em feudos e começa um período de desordem e agitação social. É neste contexto que o ensino destinado às elites incorpora uma formação mais aprimorada do homem político e a educação física como parte da preparação necessária para eventuais enfrentamentos nos campos de batalha.
            É interessante reparar que o círculo dos nobres e da família do faraó não se preocupa em ensinar a seus filhos a escrever. Acontece que, nesta época, a escrita é apenas um instrumento que permite registrar os atos oficiais e administrativos. Por isso, a tarefa de escrever é deixada aos escribas que, em geral, aprendem esta arte com os pais. Além da escrita, as relações que se desenvolvem no interior dos círculos do poder impõem que o ensino destinado a estas pessoas incorpore o aprendizado de um profundo sentimento de obediência e submissão. Neste sentido, Amenemope escreve:
“Quando erras perante o teu superior e teus discursos ficam desconexos, tuas adulações serão retribuídas com afrontas e tuas lisonjas com pancadas. Diga a verdade perante o nobre, para que não se torne dono de tua cabeça. Não escute as conversas de um magnata na sua casa e não as espalhes fora para outros. Não ofendas a quem é maior do que tu. Deixa que ele te bata enquanto a tua mão fica sobre o peito; deixa que ele te ofenda enquanto a tua boca cala: amanhã se estiveres na frente dele, te dará pão à vontade. O cão late para quem lhe dá pão, pois ele é o seu dono”. (Citado in id: 36)
            No que diz respeito à instrução dos artesãos e das massas populares, Diadoro da Sicília nos traz uma informação razoavelmente confiável:
“O resto da multidão dos egípcios aprende dos pais e dos parentes, desde a idade infantil, os ofícios que exercerá na sua vida. Ensinam a ler e a escrever um pouquinho, não a todos, mas àqueles que se dedicam a um ofício”. (Citado in id.: 39)
            É fundamental que você saiba que este “resto da multidão”, ao qual se ensinam as noções necessárias para o exercício da profissão e para os contatos sociais que ela supõe, não inclui a massa dos escravos. Para além da concepção de mundo assimilada no interior do clã ou do seu grupo social, o escravo terá o capataz como seu professor e o chicote como único recurso pedagógico que lhe ensinará com o sangue a trilhar o duro caminho da submissão e da dor.
            Você já deve ter percebido que no antigo Egito, como em toda sociedade dividida em classes, os grupos dominantes usam o processo educativo como um meio para moldar as várias camadas da população. Assim como o oleiro dá forma ao barro para que ele se transforme num determinado objeto, as elites se preocupam em formar cada setor da sociedade de acordo com a necessidade de garantir a exploração e a ordem que proporciona a concretização de seus interesses. Em outras palavras, na civilização egípcia já podemos visualizar uma característica que vai se manter constante ao longo da história: há sempre uma relação direta entre o tipo de educação e a posição que o indivíduo ocupa na pirâmide social.
            Em Roma antiga, as coisas não são muito diferentes. Lá, o primeiro educador é o “pater familiae”. Desde a fundação da cidade, a autonomia da educação paterna é uma lei do Estado pela qual o pai é dono e artífice de seus filhos. A antiga monarquia romana, de fato, é uma república constituída pelos proprietários das terras e dos núcleos rurais (familiae), dos quais fazem parte as mulheres, os filhos, os escravos, os animais e qualquer outro bem. O pai-proprietário (pater) exerce sobre eles um poder soberano que, entre outras coisas, lhe permite matar os filhos anormais, prender, flagelar, condenar aos trabalhos agrícolas forçados, vender ou matar os filhos rebeldes, mesmo quando, já adultos, estes ocupam cargos públicos.
            A educação no seio dessa família visa, basicamente, o ensino das letras, do direito, o domínio da retórica e das condições para desempenhar as atividades políticas, típicas das classes dominantes. Ainda que o desenvolvimento histórico imponha mudanças nos costumes e nas instituições que se dedicam à educação dos jovens, a organização do Estado romano impede o livre acesso do povo simples à arte da palavra. As poucas escolas existentes tornam-se cada vez mais um meio para a capacitação de um grupo restrito de indivíduos, como burocratas, no poder do Estado.
            Neste contexto, feita exceção pela agricultura que é um aspecto e uma fonte de domínio do pai-proprietário, todas as atividades produtivas são consideradas indignas de um homem livre. Exercidas pelos escravos ou pelos estrangeiros que migram para Roma, seu ensino é reservado aos membros dessas classes sociais. À diferença da situação que encontramos no Egito, em Roma nos deparamos com a necessidade de fazer com que os conhecimentos e as habilidades de algumas profissões sejam ensinados em escolas. Trata-se de um costume que os patrões “mais empreendedores” praticam para melhor explorar o trabalho servil. Além de formarem escravos mais qualificados para serem empregados em suas propriedades, as “escolas profissionalizantes” da época permitiam utilizar o ensino como investimento “de capital” na medida em que possibilitava vender ou alugar os mesmos escravos a um preço bem mais alto.
            Se é verdade que, ao longo dos séculos, as descobertas da ciência e da técnica impõem mudanças aos processos de aprendizagem, é também verdade que cada passo do desenvolvimento histórico impõe a necessidade de resolver o velho problema de como e quanto instruir quem é destinado não aos círculos do poder e sim à produção. Um documento do início de 1400 (época em que já temos uma burguesia urbana no interior da sociedade feudal) nos ajuda a perceber melhor quanto acabamos de afirmar:
“Messer Giannozo Manetti nasceu no ano de 1393... O pai... , Bernardo, mandou-o, ainda de poucos anos, segundo o costume da cidade, a aprender a ler e a escrever; tendo aprendido em pouco tempo quanto é necessário para ser um bom mercador, passou-o para o ábaco e em poucos meses tornou-se tão douto naquela ciência quanto um profissional da mesma. Aos dez anos foi posto no banco e em poucos meses lhe foi entregue a conta do caixa. Depois que, conforme o costume, ficou algum tempo no caixa, foram-lhe entregues os livros e ele dedicou-se a este trabalho por vários anos. Feito isso, começou a pensar consigo mesmo se seria possível ele conquistar fama ou glória para si e para a sua família com aquilo que estava fazendo, mas não viu essa possibilidade e chegou à conclusão de que o único meio para tanto era o estudo das letras: e por isso determinou absolutamente de, posposta qualquer outra preocupação, dedicar-se a esses estudos.” (Citado in id.: 171)
            A preparação escolar de Messer Giannozzo é feita em vista do exercício de sua profissão. Ele aprende gramática, letras e cálculo de acordo com um conjunto de noções básicas que um bom comerciante deve dominar, mas ainda trata-se de uma formação técnica substancialmente diferenciada daquela que se dirige a quantos se preparam para o exercício do poder.
As coisas não mudam mesmo sob o impulso dos ideais da Revolução Francesa. Os defensores de uma educação pública e universal fazem questão de reafirmar que o esforço de estender a instrução escolar a todos os cidadãos não significa que ela tenha que ser igual para todos. Em 1809, por exemplo, Murat escreve:
“É necessário que exista uma instrução para todos, uma para muitos e uma para poucos. A primeira não deve fazer do povo tantos sábios, mas deve instruí-lo tanto quanto basta para que possa tirar proveito dos sábios”. (Citado in id.: 256)
            Se considerarmos o fato de que os sábios são os intelectuais a serviço da ordem, podemos tranqüilamente concluir que se trata de um aprendizado cujo objetivo central é garantir as condições mínimas para que as classes trabalhadoras possam assimilar de maneira confiável a visão de mundo, as convicções e os valores dos grupos dominantes. Apesar de estarem empunhando a bandeira da “liberdade, igualdade e fraternidade” e cantarem a marselhesa, os novos tubarões vão levantando novas e mais aprimoradas cercas.
            Uma preocupação deste tipo já havia sido explicitada em 1803 pelo industrial e economista francês Jean Baptiste Say. Suas observações indicavam que a ignorância e os efeitos da divisão do trabalho produzem apenas operários e operárias que se orientam somente por seus instintos “egoístas” e imediatos, ou seja, são pessoas incapazes de “sentimentos e convicções cívicas” indispensáveis para manter suas ações nos limites da ordem. Para ele, um trabalhador embrutecido pela repetição e simplicidade de suas tarefas, dificilmente é capaz de conceber “relações gerais, sentimentos nobres” como, por exemplo, a compreensão de que “o respeito pela propriedade privada favorece a prosperidade pública”. Say encerra seu raciocínio com uma indagação que dispensa comentários:
“Como se poderia dar a eles o grau de instrução que julgamos necessária para o bem estar da ordem social?”
            A esta altura, espero que você já não tenha dúvidas quanto ao fato de que a educação numa sociedade dividida em classes não se manifesta como um fim em si mesmo, e sim como um instrumento de manutenção ou transformação de uma determinada ordem social. Orientada pelas elites, a escola não tem apenas a tarefa de preparar os indivíduos para um determinado tipo de trabalho, mas também a de fazer com que eles incorporem valores, idéias, critérios de análise da realidade e formas de comportamento capazes de garantir que as coisas até mudem... para que o essencial (a exploração) possa continuar. Por isso, para a própria classe dominante, é importante que todos freqüentem as salas de aula e que a educação escolar de um certo nível seja até mesmo obrigatória e paga pelo Estado. Como reconhecia a imperatriz Maria Teresa da Áustria já em 1760:
“Em cada época, a instrução é, e sempre foi, um fato político”. (Citado in MANACORDA, 1996: 247)
            Vejo que está coçando a cabeça e, talvez, eu sei o que está pensando. Você deve estar achando que estas reflexões dizem respeito a épocas distantes, cheias de indivíduos atrasados e autoritários, e que as democracias do terceiro milênio já deixaram para trás a visão que sustenta a minha análise. Para ir de encontro às suas inquietações vou finalizar este breve mergulho na história da educação com as duas reflexões que seguem.
            Você tem razão de dizer que hoje a escola está aberta a todos, que ninguém obriga os pobres a freqüentar este ou aquele instituto de ensino e que já têm filhos e filhas de famílias operárias cursando as melhores universidades do país. Mas, será que isso pode se aplicar à maioria? Não está confundindo a exceção com a regra? Vou explicar isso com um exemplo.
            Coloque lado a lado uma criança nascida no seio de uma família de trabalhadores e outra que teve um berço de ouro, típico da reduzidíssima “classe alta”. A primeira, provavelmente, só vai ter acesso a papel, lápis, borracha, canetas, etc., com 6 ou 7 anos quando, se tiver sorte, vai entrar na pré-escola ou diretamente na primeira série. Não bastasse isso, ela vai pegar seus materiais numa mistura de temor e curiosidade alimentada pelos protestos dos pais que, encurralados por uma renda familiar bem apertada, acham um absurdo a lista de materiais pedida pelos professores e não hesitam em soltar alguns gritos quando lápis e caderno acabam. Suas aulas acontecerão numa escola pública, com classes superlotadas, docentes mal remunerados e, às vezes, despreparados, em horários que objetivamente são um obstáculo ao aprendizado e em estruturas físicas onde é materialmente impossível manter a concentração e a dedicação aos estudos. Em caso de notas vermelhas, tapas, puxões de orelha e chineladas serão, talvez, o único reforço escolar que lhe será oferecido no ambiente doméstico. Na hora do “descanso”, não poucas vezes esta criança terá que engraxar sapatos, vender sorvete nas ruas ou se dedicar a outras formas que ajudam a aumentar o minguado orçamento familiar. As estatísticas dizem que, em breve, as precariedades de suas condições de vida vão levar a grande maioria destes alunos e alunas a abandonarem a escola ou, na melhor das hipóteses, a completarem os estudos após jornadas de trabalho estafantes e a optar por cursos profissionalizantes.
            Vamos olhar agora para a criança da classe alta. As condições econômicas de que dispõe, e o próprio ambiente doméstico, vão fazer com que o seu acesso à escola, a cadernos, canetas, etc., aconteça muito mais cedo. Sua formação se dará nos melhores institutos com direito a aulas particulares, cursos extracurriculares, viagens ao exterior, dedicação exclusiva ao estudo, jornais, revistas, internet e o que tem de mais moderno no campo da cultura e da informação. Além disso, esta criança já vai mandar nos empregados que estão a serviço da família, é estimulada a falar em público, a assumir um papel de protagonista nos círculos que freqüenta e, pouco a pouco, a cuidar da herança e dos negócios da família. Afinal de conta, berço é berço e não se discute.
            O que eu quero dizer é que, apesar da lei e das autoridades não destinarem aos pobres esta ou aquela escola e de incentivarem o acesso ao ensino, são as diferentes condições de vida das classes trabalhadoras e das elites que se encarregam de viabilizar e reproduzir a mesma discriminação que a “igualdade de direitos”, prevista pela lei, diz querer corrigir. Como? Você acha que isso é só “coisa do Brasil” ou de país subdesenvolvido?
            Em qualquer sociedade baseada na exploração (mesmo que nos moldes do Estado do bem-estar social), o fato de tratar com igualdade situações econômicas diferentes não elimina e sim aumenta as desigualdades. Os dados que se referem aos crescentes níveis de pobreza e de exclusão nos países do primeiro mundo estão em todos os jornais. Parece incrível, mas é a pura realidade.
            A segunda reflexão diz respeito à preocupação das classes dominantes com os valores e as idéias que são ensinadas nas escolas. Não, não estou me referindo somente às aberrações que lotam os livros e são uma verdadeira homenagem à submissão na medida em que apresentam um modelo de cidadania que apenas fortalece a ordem atual. Estou falando, por exemplo, do que reza a legislação do Texas (EUA) a respeito dos livros a serem usados nas escolas. Este Estado que é parte de um país internacionalmente considerado como “a mais sólida democracia do planeta”, prevê em suas leis que:
“O conteúdo do livro didático deve promover a cidadania e a compreensão das qualidades essenciais e das vantagens do sistema de livre empresa, enfatizando o patriotismo e o respeito pela autoridade constituída, promovendo o respeito pelos direitos individuais. Os livros didáticos não devem incluir extratos ou obras que encorajem ou aprovem a desobediência civil, a agitação social ou o desrespeito à lei, nem devem conter idéias que sirvam para o enfraquecimento da autoridade ou que possam causar situações constrangedoras ou interferências na atmosfera de aprendizado na sala de aula. Por fim, os livros didáticos não devem encorajar estilos de vida que se afastem dos padrões geralmente aceitos na sociedade”.
Até nas “melhores” sociedades a democracia dos tubarões, desculpe, do capital só funciona bem quando tudo se mantém nos estreitos limites da sua ordem. Para bom entendedor... meia palavra basta.



EMILIO GENNARI

http://www.espacoacademico.com.br/029/29cgennari.htm

terça-feira, 21 de julho de 2015

Ensino de História e a Transversalidade

A principal proposta da transversalidade no ensino de História, e na educação em geral, é aproximar a escola do mundo dos estudantes.
A proposta de um ensino baseada na transversalidade está presente nos PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais), a partir de cinco temas transversais para a educação nacional, são eles: ética, pluralidade cultural, saúde, orientação sexual e meio ambiente. O principal objetivo dos temas transversais instituídos pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura) foi aproximar a escola da realidade vivida pelos alunos, ou seja, trazer as disciplinas, os professores, os conteúdos escolares e aproximá-los do mundo do estudante. Dessa maneira, os alunos teriam uma aprendizagem significativa e seriam vistos com sujeitos históricos.
Geralmente os temas transversais são abordados recorrentemente na escola a partir da proposta do trabalho interdisciplinar. Essa abordagem não deixa de ser salutar, mas existem algumas questões a serem observadas. Quase sempre a abordagem interdisciplinar é realizada por meio de uma proposta temática comum e aplicada por professores de duas ou mais disciplinas afins. O fato recorrente nessas abordagens interdisciplinares é que cada disciplina se preocupa com seu recorte específico sobre o tema, o que acaba fragmentando-o ainda mais. Há também o perigo de repetição constante da temática (como, por exemplo, a abordagem sobre ética em três disciplinas diferentes durante um mês). Isso para os alunos e também para os professores se tornaria uma abordagem desgastante e exaustiva.
Uma proposta interessante e salutar para trabalhar com a transversalidade na escola seria uma mudança na abordagem das disciplinas, ou seja, cada disciplina deixaria de buscar objetivos em si mesma, para se tornar um meio necessário para a realização dos objetivos presentes nos temas transversais e nos PCN’s. Essa abordagem teria a seguinte ênfase: as disciplinas como meios e a transversalidade como fim.  
Para desenvolver a transversalidade no ensino de História, a didática, a metodologia e os pressupostos teóricos teriam que passar por uma reformulação. Segundo Neto (2004:65), “por isso, podemos afirmar que a implantação dos temas transversais não se refere apenas a mudanças didático-pedagógicas, mas também conceituais sobre o ato de educar e a própria História”.
O ensino de História tradicional, baseado em grandes acontecimentos, apresenta uma linearidade temporal em que os fatos sempre são concebidos com um início, meio e fim, ou seja, a história e o tempo histórico sempre foram tratados teleologicamente e escatologicamente, com um fim certo e preciso.
A aplicação dos temas transversais no ensino de História deve acontecer a partir da renovação nos métodos, conceitos e didáticas no ensino de História. Segundo Neto (2004: 66), “deve-se abandonar a visão do conhecimento específico da disciplina, sem abrir mão dos repertórios e recursos de cada área de conhecimento, e, ao mesmo tempo, incorporar o papel de formação exercido pelo educador, tratando de temas e questões que ultrapassam o conteúdo programático, por meio dos temas transversais. A busca da compreensão da realidade e a afetiva participação do indivíduo a partir de dados e noções relativos ao seu cotidiano, ao seu universo, fazem com que a escola passe a ser considerada como um espaço de conhecimento e reconhecimento, onde por intermédio das diversas disciplinas e de sua nova abordagem o aluno seja capaz de ver e vislumbrar-se como construtor de sua própria história”.
Os professores de História estão atrelados a dois procedimentos mais usuais na prática escolar para trabalhar com os temas transversais. O primeiro seria dividido por temas ou períodos históricos: História Geral, História do Brasil e História da América. E o segundo por eixos temáticos: escravidão antiga, moderna e contemporânea; a propriedade da terra, o mundo do trabalho, a industrialização, entre outros. O segundo procedimento, do ensino de História dividido por eixos temáticos, seria o mais aconselhável, pois romperia com o ensino de História pautado na divisão cronológica tradicional.
Para uma proposta de se trabalhar com os temas transversais no ensino de História baseada em eixos temáticos, os professores devem definir os conteúdos abordados no seu plano de curso e devem ter amplo conhecimento dos objetivos e da problemática abordada.
Abaixo seguem algumas das principais orientações sugeridas por Neto (2004: 72-73), para os professores que se dispõem a realizar uma abordagem transversal salutar no ensino de História:
“- valorização do aluno e de seu universo;
- estimular a oralidade e, com base nela, a produção textual e a análise de documentos (textos, vídeos, mapas, acervos...);
(...)
- dar a dimensão que o conhecimento histórico é um meio para compreender o mundo, as questões da atualidade, suas origens, as diversas respostas e explicações para um determinado fato, levando o aluno a ver que há diversas explicações para uma mesma realidade, devendo abrir-se para ouvi-las e questioná-las, numa prática que permitirá maior lucidez e discernimento diante da sociedade e da própria vida” (NETO: 2004, p. 72-73).


Leandro Carvalho
Mestre em História

SOLIDARIEDADE NA MAÇONARIA

  SOLIDARIEDADE NA MAÇONARIA Ednardo Sousa Bezerra Júnior.´. “É fácil amar os que estão longe. Mas nem sempre é fácil amar os que vivem ao n...